Havia, outrora, na pequena povoação de Saudel, da freguesia de
S. Lourenço e do Concelho de Sabrosa, um pobre lavrador, muito
religioso e temente a Deus, que tinha uma filha bastante doente.
Apesar disso, mandava-a todos os dias apascentar as poucas ovelhas
que tinha, num monte que ficava perto da povoação, onde havia uma
fonte, erva abundante e muitos castanheiros. A menina, habituada
com os pais, rezava diariamente o terço, contando as ave-marias
pelos dedos. E, no tempo das castanhas, varejava os ouriços com a
vara de pastora e abria-os com uma pedra, para lhes comer os
frutos. No resto do ano, comia alguma côdea de pão, quando calhava,
porque em sua casa nem sempre havia esse manjar. Um dia, depois da
sua oração habitual, apareceu-lhe Nossa Senhora que lhe disse: - Eu
sou a Senhora da Saúde e venho fazer-te um pedido: diz ao teu pai
que Me construa uma capela grande, neste lugar, e ponha nela a
minha imagem. A menina respondeu: - Mas o meu pai não tem dinheiro
para a fazer. Às vezes, até o pão falta em nossa casa. A Senhora
respondeu: - Diz-lhe também que, se ele aceitar o meu pedido, não
faltará dinheiro para as obras nem pão para vós. A pequena foi para
casa e contou ao pai tudo o que a Senhora lhe tinha dito. O pai
acreditou nas palavras da filha e, confiante nas promessas de Nossa
Senhora de quem era muito devoto, deitou imediatamente mãos à obra.
Contratou pedreiros para cortar a pedra, carreiros para a
transportar e canteiros para a trabalhar e assentar. As obras
cresciam a olhos vistos e em pouco tempo a capela ficou concluída,
com grande admiração de toda a gente. Ninguém sabia donde vinha o
dinheiro, mas a verdade é que nunca ele faltou, como também nunca
mais faltou pão com abundância em casa do lavrador. Todos
reconheceram, por isso, que ali andava o dedo de Nossa Senhora,
pois, sem Ela, as coisas não poderiam ter corrido tão bem e tão
depressa. Concluída a capela, encomendaram uma imagem, colocaram-na
no altar e deram-lhe o nome de Senhora da Saúde, como Ela Se tinha
apresentado. Algum tempo depois, Nossa Senhora voltou a aparecer à
menina doente e disse-lhe: - Estou muito contente por teres feito o
que te pedi. Agora, vou fazer-te mais um pedido: vai lavar-te à
fonte que está ao pé da capela. A menina obedeceu e ficou curada.
Quando regressou à povoação e contou o que lhe tinha sucedido,
houve uma explosão de alegria. Todos deram graças à Senhora da
Saúde que tão generosamente pagou à menina doente o favor que esta
Lhe fizera. E, daí em diante, os pais começaram a correr para a
fonte e a mergulhar nela os filhos doentes, para obterem a cura dos
seus males. A fama destas curas espalhou-se por muito longe, e de
toda a parte ali acorriam também os adultos, para beber a água e
lavar-se com ela. O povo de Saudel diz que Nossa Senhora desce do
altar todas as sextas-feiras, à meia-noite, em forma de pomba, para
benzer a água e manter-lhe o poder de curar. Essa crença nasceu dum
acontecimento miraculoso ocorrido a um casal de peregrinos que, há
muito tempo, aí se deslocou, para cumprir uma promessa, no dia de
sexta-feira. Como eram de muito longe, foram autorizados pelo
ermitão a pernoitar na casa ao lado da capela, nessa altura cheia
de palha seca. Para se acomodarem, levaram com eles uma vela e
colocaram-na no parapeito da janela. Depois, deitaram-se e
adormeceram, esquecendo-se de a apagar. Pela meia-noite, quando já
estavam mergulhados num sono profundo, a vela caiu e a palha
começou a arder, à sua volta. Já prestes a ser devorados pelas
chamas, sentiram um bico de ave a picá-los nas faces e acordaram
sobressaltados. Abriram os olhos e ainda puderam ver, à luz das
labaredas, uma pomba branca a sair pela janela que dava para a
fonte. Só então deram pelo pavoroso incêndio que lavrava à sua
volta. Levantaram-se, muito aflitos, julgando estar no fim dos seus
dias, mas sentiram uma força interior que os impelia para a porta e
conseguiram atravessar as chamas sem a mais leve queimadura. Quando
o milagre se tornou conhecido, o povo de Saudel concluiu que foi a
Senhora da Saúde, em forma de pomba, que os salvou da morte, quando
ia benzer a fonte dos milagres. Por isso, no dia nove de Agosto,
dia da festa da Senhora da Saúde, acorria ao recinto da capela,
cantando jubilosamente:
Ó Senhora da Saúde,
Senhora tão pequenina,
Quando vais benzer a fonte,
Vais feita numa pombinha.